sexta-feira, setembro 4

eu me lembrava de ter pedido a bebida, mas naquele momento não conseguia imaginar por quê. parecia existir uma eternidade entre os poucos minutos atrás em que eu tivera vontade de beber alguma coisa - e talvez por isso tivesse pedido - e aquele momento. uma eternidade em que me lembrava de ter vontade de fazer um milhão de outras coisas e agora havia um intervalo onde eu não tinha vontade de fazer mais nada. uma das coisas que me lembrava, estranhamente, de querer fazer era te ter de novo. até poucos minutos atrás conseguia imaginar-me abraçando-o, pedindo-lhe desculpas e, talvez, até o fizesse sorrir. agora não. agora você estava ali, do outro lado da mesa, e o espaço entre nós era muito maior do que toda a eternidade que separava as emoções dentro de mim - senti que nunca mais conseguiria tocá-lo.
então pensei que a bebida ao menos serviria para que eu tivesse alguma coisa para olhar, para colocar as mãos. porque você, do outro lado da mesa, estava distante demais.
quando eu ainda sabia por que queria as coisas, poucos minutos antes, também tinha a segura sensação de saber com exatidão tudo o que não queria. mas você se sentou do outro lado da mesa e falou, com todas as palavras, que não queria mais. e foi mais ou menos aí que todos os quereres e porquês se embaralharam dentro de mim. nada mais tinha resposta, nem começo, nem fim, da mesma forma que o abismo no meio da mesa - tive a sensação de que se esticasse o braço, nunca terminaria de esticá-lo até alcançar o outro lado.
foi por isso que me protegi com a bebida, sem bebê-la. porque quando terminássemos de beber, seria o fim da conversa. e com o fim da conversa seria o fim de todo o resto - o abismo ia sair do centro da mesa e engolir tudo o que havia sobrado. nunca terminei minha bebida, sem saber que o seu copo já estava vazio desde o início.

3 comentários:

  1. Eu queria colocar essa mesma dose de sentimentos nos meus contos.
    Ando treinando.

    ResponderExcluir
  2. "sem saber que o seu copo já estava vazio desde o início."
    - depois daí só me restaria o silêncio ou simplesmente dizer que é doído, mas é muito bonito.

    mas como eu sou tagarela virtual, continuo a falar.
    me lembrei do fim do meu relacionamento mais duradouro, que foi doloroso, mesmo para mim, que ocupava a posição daquele que não quer mais...
    essas coisas não são fáceis para nenhum dos dois. mas é sempre mais difícil para alguém (também já estive do outro lado da mesa, enfim...).

    ResponderExcluir
  3. "sem saber que o seu copo já estava vazio desde o início."

    algumas vezes os copos encontram-se vazios em sua transparência tão sutil quanto devastadora. e não sabemos quando ou o porquê.
    essas coisas sem hora acontecem do outro lado da mesa - onde normalmente nos encontramos e de onde não conseguimos sair.

    ResponderExcluir