quinta-feira, abril 15

"Em fins dessa semana, sem ter conseguido ter um minuto de sossego, escreveu-lhe a primeira carta. Foi uma missiva convencional, onde lhe contava que o vira sair do hotel, e que teria gostado que ele a visse.
Esperou em vão uma resposta. Ao fim de dois meses, cansada de esperar, mandou-lhe outra carta no mesmo estilo enviesado da anterior, cuja única intenção parecia ser a de censurar-lhe a falta de cortesia. Seis meses depois tinha escrito seis cartas sem resposta, mas conformou-se com a prova de que ele estava a recebê-las.
Dona pela primeira vez do seu destino, Angela Vicario descobriu então que o ódio e o
amor são paixões recíprocas. Quantas mais cartas mandava, mais atiçava as brasas da sua febre, mas também mais aquecia o rancor feliz que sentia contra a mãe. "Revolviam-se-me as tripas só de a ver", disse-me, "mas não a podia ver sem me lembrar dele." A sua vida de casada devolvida continuava a ser tão simples como a de solteira, sempre a bordar à máquina com as amigas, como antes fazia tulipas de pano e pássaros de papel, mas quando a mãe ia deitar-se, ela ficava no quarto a escrever cartas sem futuro até quase de manhã. Tornou-se lúcida, imperiosa, senhora da
sua vontade, e voltou a ser virgem só para ele, e não reconheceu outra autoridade senão a sua, nem mais servidão que a da sua obsessão.
Escreveu uma carta todas as semanas durante meia vida. "às vezes não me lembrava que
dizer", disse-me morta de riso, "mas bastava-me saber que ele as recebia." A princípio foram cartões de cerimônia, depois foram pequenos papéis de amante furtiva, bilhetes perfumados de noiva fugaz, memoriais de negócios, documentos de amor, e por último foram as cartas indignas de uma esposa abandonada que inventava doenças cruéis para obrigá-lo a voltar. Uma noite de bom humor entornou-se-lhe o tinteiro por cima da carta acabada de escrever, e em vez de rasgá-la acrescentou um post-scriptum: "Como prova do meu amor mando-te as minhas lágrimas." De quando em vez, cansada de chorar, zombava da sua própria loucura.
Seis vezes foi substituída a funcionária dos correios, e seis vezes ganhou a sua cumplicidade. Só não lhe passou pela cabeça uma coisa: renunciar. E, no entanto, ele parecia insensível ao seu delírio: era como se escrevesse para ninguém.
Uma madrugada de ventos, pelo ano décimo, acordou-a do sono a certeza de que ele estava nu na sua cama. Escreveu-lhe então uma carta febril de vinte folhas, na qual soltou sem pudor as verdades amargas que trazia apodrecidas no coração desde a noite funesta. Falou-lhe das cicatrizes eternas que ele deixara no seu corpo, do sal da sua língua, do rastilho de fogo da sua verga africana. Entregou-a à funcionária dos correios, que ia à sexta-feira à tarde bordar com ela para levar-lhe as cartas, e convenceu-se de que aquele desabafo final seria o derradeiro da sua
agonia.
A partir de então já não tinha consciência do que escrevia, nem sabia de ciência certa quem escrevia, mas continuou a escrever sem tréguas durante dezessete anos.
Num meio-dia de Agosto, estava ela a bordar com as amigas, sentiu que alguém chegava à porta. Não precisou de olhar para saber quem era. "Estava gordo e começava a cair-lhe o cabelo, e já usava óculos para ver ao perto", disse-me. "Mas era ele, gaita, era ele!" Assustou-se, porque sabia que a via tão decaída como ela o via, e não acreditava que tivesse dentro de si tanto amor como ela tinha para suportar isso. Vestia uma camisa empapada em suor, como quando o vira pela primeira vez, e trazia a mesma correia e os mesmos alforjes de couro cru com enfeites de prata.
Bayardo San Román deu um passo em frente, sem ligar às outras bordadeiras atônitas, e
pousou os alforjes sobre a máquina de costura.
- Ora bem - disse -, aqui estou eu.
Trazia a mala da roupa para ficar, e outra mala igual com quase duas mil cartas que ela lhe escrevera. Estavam arrumadas por datas, em maços atados com fitas às cores, e todas por abrir."

- Gabriel García Marquez, Crônica de uma morte anunciada

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